domingo, outubro 12, 2014

Skyroad da Lousã

O Skyroad da Lousã-2014 teve, para mim, um sabor agridoce. Embora mais ácido do que… doce! No meio do azar (embora quem facilita com o material não se pode queixar muito…), muita felicidade por ter concluído a prova.
A história tem contornos novelescos. Logo aos 2 km, ainda o andamento acabara de se tornar “livre”, pneu rebentado (o mesmo que tinha saído do aro há uns tempos e estragado uma roda de carbono. Estupidez assumida!) com enorme estoiro no meio do pelotão, tão audível que, no final, toda a gente com que falei recordava-se! Parei e quando vi o estrago, pensei logo que era o fim… Ainda tive a esperança de que a fechar o imenso pelotão viesse um carro de apoio técnico, mas apenas a ambulância e o carro-vassoura. Este parou e o condutor informou-me que não podia levar-me para a zona da partida/meta, só a bicicleta durante todo o percurso e eu um autocarro à disposição… para “acompanhá-la”. Mau já era desistir, fazer todo o percurso num autocarro seria masoquismo puro! Por isso, “implorei” e convenci o simpático senhor a levar-me até mais perto possível daquela zona, mesmo enfrentando o ralhete dos “chefões”, como ele disse. Entrámos para o camião (eu e a bike) e fomos deixados a cerca de 100 metros da “zona”, num local a salvo dos olhares dos “chefões”.
Agradecido, saí do veículo, e desolado comecei a caminhar em direcção à “zona” a pensar como iria passar 6 horas à espera dos meus parceiros de viagem, Ricardo Afonso e Duarte Salvaterra. Principalmente, com que estado de espírito… 
Mas eis que acontece o milagre da Nossa Sra. dos Desafortunados da Lousã: aproxima-se de mim um grupo de jovens e um deles pergunta-me: «Precisa de alguma coisa, amigo?». Respondo-lhe com o ânimo de que ele seria último a poder ajudar-me. «De um pneu…». E ele atira: «Sim, arranja-se, venha ali comigo à minha loja». À minha direita, do outro lado da rua, lá estava ela. A «Biciclataria». O sentimento que me invadiu é indescritível por palavras e apenas posso referir que a partir desse momento não pensei em mais nada do que fazer a prova, custasse o que custasse.
Passados cerca de 30 minutos desde que tinha sido dada a partida, parti… eu, sozinho, por minha conta e risco, sabendo que tinha quase 170 km e mais de 4000 metros de acumulado para ultrapassar, mas muito mais motivado do que início por ter saído surpreendentemente feliz deste infortúnio.
O resto é ciclismo, uma espécie de epopeia de superação pessoal, uma das maiores que já vivi neste desporto. Fiz-me à estrada e só depois de alguns quilómetros “a solo” é que cai em mim… Contas de cabeça: tinha de fazer a gestão mais meticulosa do esforço que alguma vez já fizera. Mesmo assim, estaria a arriscar muito, quiçá demasiado. Pensamento que se atenuou quando alcancei os primeiros concorrentes (os últimos), quase todos aos pares, amena cavaqueira. Teriam decidido passar umas 10 horas desta maneira…
Quando cheguei à separação do Gran com o Mediofondo, passou-me pela ideia fazer o mais pequeno. Ainda virei na direção deste, mas 100 metros mais adiante arrependi-me. Parei (aproveitei para “aliviar peso”) e voltei a subir para o percurso grande, perante o ar perplexo dos organizadores e dos concorrentes com que me cruzei.
Desci a toda a velocidade com o mote de “a partir de agora não valer mais a pena pensar nisso”. E ao entrar na subida de Góis senti que era o início da aventura. Nas primeiras centenas de metros e, inclusive, nos 20 km de parte-pernas que se seguiram até à grande subida do Carvalhal do Sapo, inclusive durante grande parte desta, tive dificuldade em meter um ritmo certo. As pernas estavam bem, o pulso controlado mas não tinha referências. Passava por todos, ninguém ao meu andamento até ao alto das eólicas, que fiz com a cara ao vento, a passar de grupo em grupo. Nunca visto em mim. Dois ou três que me acompanharam alguns quilómetros acabavam sempre por me perguntar: “Furaste, não?!”.
E resumiu-se a esta toada quase todo o restante percurso. Até à aproximação à subida de Picha fiz tudo por minha conta, nem uma roda de abrigo. Por azar, nem a descer. Algures por aquela zona, alcancei o grupo em que seguia o Nuno Garcia, cerca de meia dúzia, mas ele o único a cooperar comigo na condução do mesmo. Ainda antes da subida, apanhámos o Armando Guedes, companheiro de longa data nestas andanças, que se juntou ao trabalho já nas vertentes de… Picha. Nesta altura, já sentia as pernas muito doridas. Alimentei-me o mais e melhor que podia para não cair no “vazio”. Às tantas apanhámos o camarada Paulo Pais, com outro ciclista. Chamei-o, e antes de o encorajar seguir-nos, afirmou peremptoriamente, ao seu estilo: «Isto é muito duro!».
Na parte final da subida, senti-me melhor e voltei para a frente, fazendo também toda a descida e toda a subida da Serra da Lousã, ficando apenas com o Guedes (que me rendeu durante o penúltimo quilómetro). Depois de “fechar” a subida, mandei-me a caminho da Lousã completamente no “vermelho” e, agora sim, com sintomas irreversíveis de desfalecimento, desligando a 5 km da meta, que cruzei com 6h19m, 35 minutos mais do que em 2013. “Descontando” os 30 minutos que perdi à partida e todos que “derreti” por ter feito quase todo o percurso à minha conta, não posso deixar de reconhecer que o pecúlio foi satisfatório. Uma jornada para recordar, pelos bons motivos, mas também pelos maus que estiveram na sua origem…

Homenagem, pelos excelentes desempenhos, ao Duarte Salvaterra, ao Ricardo Afonso, ao Nuno Garcia, e uma muito especial ao Paulo Pais, porque mais uma vez deu uma “lição” de humildade e coragem – e de profunda paixão pelo ciclismo -, com mais uma participação neste dificílimo Granfondo, enfrentando-o sem receios mesmo com uma preparação que está a anos-luz da média! E com uma prestação honrosa. Por isso, é um exemplo que respeito e aprecio, e que deve inspirar a todos!                             

4 comentários:

RA disse...

Parabéns Ricardo - estiveste a um nível altíssimo no Granfondo. Poucos eram aqueles que na tua situação arriscariam fazer 170km a solo, de peito ao vento e sem ninguém para ajudar.
Foi uma jornada bem passada na vossa companhia.
Ricardo Afonso

Ricardo Costa disse...

Obrigado Richie. Também fizeste uma prova extraordinária, a demonstrar a tua enorme evolução esta temporada. E para o ano ainda estarás melhor, com toda a certeza!
Até lá, vamos aproveitar o defeso para recarregar baterias e confraternizar, procurando, com isso, também ajudar a promover a coesão do nosso grupo domingueiro. Tu és um dos elementos mais assíduos que podem fazê-lo!

Abraço

Pedro Fernandes disse...

Parabéns meu caro Ricardo
Estás um Pro, aahhh
Também furei um tubular e pofff esqueci-me da bomba, sabes que passaram mais de 200 e ninguém me emprestou uma bomba. uiii ia tão bem com o nosso companheiro Vaqueirinho!... muito antes da barragem de Santa Luzia
Claro, a partir daqui foi apreciar a paisagem deslumbrante, eehh
Quando passaste por mim ias com uma pica na Serra de Pampilhosa da Serra, ui, extraordinário, parabéns
A Lousã é extraordinárias, tão duro que se for vivo estarei lá para o ano outra vez, ehh
Pedro Fernandes (carregado)

Ricardo Costa disse...

Pedro, sempre presente e com inabalável espírito são!
Parabéns para ti, que os mereces! Pena também o teu azar. Para o ano haverá certamente (muito) mais!
Embora antes espero rever-te!

Abraço